Federico Puppi: “Me expresso mais através do violoncelo do que com minha voz”

Batemos um papo-exclusivo com o virtuoso músico que está dividindo cena com Vera Holtz em Ficções no CCBB. Você vai se surpreender!

Brasília ganhou uma bela temporada teatral nesses primeiros seis meses de 2023. No caso do Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB, várias produções encantaram os amantes dessa arte com produções incríveis como Molière, Jorge Para Sempre Verão, Carmen – A Grande Pequena Notável e agora Ficções. Com ingressos esgotados, o monólogo que traz Vera Holtz (Prêmio Shell de Melhor Atriz 2023) interpretando o instigante texto de Rodrigo Portella (baseado no best-seller Sapiens – Uma Breve História da Humanidade), tem dado o que falar na cidade.

Claro que muito do burburinho é sobre a “falta” de ingressos diante da enorme demanda. Entretanto, enquanto não tivermos mais salas e o Teatro Nacional não for revitalizado e entregue à população, infelizmente, essa será a nossa realidade, se adiantar para garantir o quanto antes um ingresso, contando com um pouco de sorte também. Dito isso, vocês devem estar se perguntando: Mas se não tem ingresso, e se a matéria sobre o espetáculo já saiu aqui no site, por que falar sobre ela mais uma vez? Simples, porque vocês precisam conhecer Federico Puppi, músico italiano que compôs a trilha sonora da peça (executada ao vivo por ele em cada apresentação) e que divide o palco com Holtz. Então a ideia é com este texto fazer uma introdução e, depois, a internet lhes ajuda chegar a qualquer lugar. Vamos nessa?

Bem, o histórico dele, vocês podem conferir no site do artista, pois está tudo lá, bem bonitinho, falando que ele é radico no Brasil; começou a estudar aos 4 anos na sua terra natal; se formou erudito, para se especializou em música moderna; desde que chegou por aqui, dez anos atrás, trabalhou com grandes nomes da MPB (Gilberto Gil, Ana Carolina, Péricles, Diogo Nogueira e outros), coproduzindo o último disco de Maria Gadú, Guelã, com quem tocou por 4 anos em turnês nacionais e internacionais; lançou dois discos autorais para lá de elogiados, etc, etc.

Mas no que se refere a Ficções, Federico Puppi ganhou recentemente o prêmio de melhor música na 17ª edição do prêmio APTR – Associação dos Produtores de Teatro. E apesar deste colunista não ser crítico musical, arrisco a dizer que foi merecidíssimo. Afinal, consegui assistir à peça e considero que tão grande quanto a atuação de Vera é a contribuição que o músico traz ao espetáculo, tocando virtuosamente apaixonado o seu violoncelo. Sabe quando você está num concerto musical e um solo te deixa hipnotizado? Pois bem, isso acontece diversas vezes em cena, arrancando aplausos constantes da plateia.

E somente para quem prestigia a coluna PERAMBULANDO aqui no LACKMAN & CO, Puppi teve a gentileza de responder a uma entrevista exclusiva que segue na íntegra, logo abaixo. Mas não antes de deixar um último presente para vocês, o perfil do artista no Instagram para que possam segui-lo por lá e conhece-lo melhor: @federicopuppi. Boa leitura!

Violoncelo não é o mais popular dos instrumentos, o que te levou até ele a partir dos 4 anos de idade? Foi paixão?

Comecei a tocar violoncelo por a caso, na verdade. Ninguém na minha família é musico ou trabalha com arte. Eu nasci numa região no norte oeste da Itália, no meio das Alpes, e vivia num vilarejo pequenino de 1200 habitantes, chato Hône. Na frente da minha casa tinha uma biblioteca na qual tinham vários cursos e um dia apareceu um de violoncelo. Minha avó, que morava no apartamento em baixo do nosso, mesmo sem saber direito o que era um violoncelo e tampouco do que se tratava, ficou curiosa e me inscreveu para eu experimentar, sendo que eu só tinha 4 anos de idade. Conheci Marco Branche, que se tornaria meu primeiro maestro de violoncelo, e ele me fez experimentar esse instrumento maravilhoso, num formato menor para crianças. Alguma mágica aconteceu naquele dia, porque essa experiência me impactou de um jeito que eu nunca mais parei de tocar. O curso no qual minha avó me matriculou era o começo do método Suzuki na Itália – uma metodologia japonesa de ensino de música muito interessante que se baseia que ensina a linguagem musical assim como as crianças aprendem a linguagem verbal – percurso de estudo que segui até meus 14 anos, quando entrei no conservatório.

O que fez você ir na direção da música popular ao invés da clássica?

A partir da minha adolescência sempre tive interesse em outros estilos musicais. A música clássica foi para mim uma base de estudo, mas nunca me expressei plenamente através dela. Eu sentia a exigência de experimentar mais com o instrumento, de tocar algo do meu tempo. Assim comecei a tocar numa banda de rock instrumental, amplificando o violoncelo com um captador de um baixo desmontado e modificado, dentro de um amplificador de guitarra. Comecei a brincar com pedais de efeitos e um mundo novo se abriu na minha frente. Depois disso entrou na minha vida o Jazz e a improvisação, lembro que a primeira vez que ouvi John Coltrane foi uma catarse e isso me estimulou a estudar o Jazz e todas suas infinitas facetas. Foi um período libertador, sair dos dogmas do conservatório e poder inventar livremente, compor minhas músicas, tocar o violoncelo de outras formas.

Para quem está a apenas 10 anos no Brasil, você já tocou com muita gente boa por aqui. Foi sorte, bons contatos, profissionalismo ou um mix de tudo isso?

Nesses 10 anos de Brasil tive muitas oportunidades incríveis e toquei com muitos artistas que admiro. O Brasil tem uma riqueza musical incomparável. Assim que eu me mudei pra cá, eu nem falava português, não conhecia ninguém então foi um percurso bem sinuoso. E foi no momento mais complicado da minha vida que começaram a se apresentar algumas situações interessantes. Não sei te dizer exatamente o que foi, mas acredito que naquela época, eu estava disposto a correr atrás de qualquer possibilidade. Tocava em todo lugar: na rua, quiosques, bares, restaurantes, festas de aniversário… Minha regra era: vai em todos os lugares onde você pode fazer uma boa impressão. E assim fiz. Isso me proporcionou bons encontros, comecei a conhecer outros músicos, compositores, cantores, até um dia onde num sarau em um bar de Botafogo, no Rio, conheci a Maria Gadú. Tocamos juntos aquela noite e alguns dias depois ela me convidou para fazer parte da banda e de um projeto que ela estava criando, só com músicas do Cazuza. Essa foi uma porta que se abriu na minha frente e que me permitiu conhecer mais pessoas, viajar o Brasil e ter experiências incríveis.

Tocando com grandes nomes, o músico geralmente está em um papel secundário. No palco, em Ficções, você protagoniza ao lado de Vera Holtz. Como tem sido a experiência? Te assustou no começo?

O papel do musico muitas vezes é colocado em segundo lugar dentro do próprio mundo da música, um paradoxo. É uma visão que eu não divido, não compactuo e que espero esteja mudando, mas infelizmente acontece. Na minha carreira tive a sorte de ter sempre muito espaço expressivo no palco, quando trabalhei com outros artistas sempre encontrei pessoas generosas e posso dizer que nunca vivi isso em primeira pessoa. O meu encontro com a Vera foi um reencontro, na verdade. Talvez seja o lado italiano da família dela (Fraletti), mas aconteceu uma identificação praticamente instantanea. Parece que a gente se conhece há muito tempo; a conversa flui fácil, a troca foi imediata. Não costumo me assustar facilmente, quando tenho a oportunidade de estar ao lado de artistas que admiro, eu procuro aprender o máximo possível. Quando tenho um mestre, ou uma “mestra”, ao meu lado, eu quero aprender, quero me aprimorar através da experiência deles. Essa coisa de ficar com medo não leva a lugar nenhum. E a Vera em particular te coloca a vontade em 5 segundos, não existe barreira alguma. Ela me estimula, me provoca… para entender isso, pense que uma das frases favorita dela é: “Assuma seu protagonismo!”. Ela fala isso para todo mundo.

Você compôs a trilha da peça, ganhou prêmio e parece se sentir muito à vontade no palco. É correto dizer que você e o violoncelo são uma coisa só? Digo, trata-se de uma relação simbiótica entre músico e instrumento?

Sim, ganhei premio APTR 2023 de melhor trilha sonora original com “Ficções” e “Enquanto Você Voava, Eu criava Raizes “ da Cia. Dos à Deux. Por ter começado a tocar com 4 anos de idade, eu praticamente não tenho lembranças da minha vida antes de tocar o violoncelo. Sempre esteve comigo, nas minhas lembranças mais antigas, eu já estava tocando. Existe uma simbiose, certamente. Existe uma amizade, um companheirismo. O instrumento se torna uma parte do corpo, talvez o meu mais potente meio de expressão. E talvez eu consiga me expressar mais através dele do que da minha própria voz. Ao mesmo tempo, isso também é uma forma de “prisão”, de limite. Por isso eu gosto de compor as vezes com um instrumento que eu não saiba tocar, para ver o que acontece, para ver quais ideias podem nascer sem ter todo esse controle. Para me surpreender.


Fotos: Ale Catan / Divulgação

 

Curtiu? Compartilhe!
Rolar para cima