Ronaldo Fraga: o feito à mão é o novo luxo e continua a ganhar valor

A preocupação em fazer arte e ter resultados a partir da arte é uma das máximas de Ronaldo Fraga, um pensador, um filósofo do hoje e um pesquisador de essências. Dono de desfiles memoráveis e peças de arte que alteram o olhar sobre o mundo, Fraga distribui boas formas de ver o mundo e de se apropriar do que realmente vale a pena para escrever o futuro.

Politizado, inteligente e de personalidade encantadora, Ronaldo esteve em Brasília para participar e conduzir parte do projeto Casa de Criatividade e Inovação, comandado por Renata Oliveira.

O reforço do estilista e empreendedor ao CCI trouxe à tona a vontade de jovens em se capacitar, por intermédio do amor que sentem pela moda. Ao passar pela cidade, Ronaldo, atencioso como ele só, nos concedeu uma entrevista, que você pode conferir abaixo.

1 – Ronaldo, você anda pelos quatro cantos do país vendo pessoas, acompanhando trabalhos e desenvolvendo intelectualidade. O que você tira dessa sua experiência de descoberta de novos talentos? O Brasil hoje ainda é um país que pode ser considerado um celeiro de pessoas criativas pro mundo da moda?

R: O Brasil é uma fonte inesgotável de criatividade e consequentemente de novos talentos. Eu credito isso a nossa mestiçagem, um país que teve e tem essa mistura de todos os povos do mundo no mesmo lugar não podia ser diferente, e isso não é só pra moda, isso é para qualquer área do design ou artes visuais.

A volta do gosto por tudo que é feito com as mãos, e tão somente com elas, é algo muito evidente. O número não chega perto do que foi feito no passado. Acredita que essa geração está criando consciência acerca da valorização do que é handmade?

R: Bom, da mesma forma que eu afirmo que passado a euforia da globalização, genuíno é o novo luxo, todas as vezes que o homem perde o valor ou um valor entra quase em extinção ele vira artigo de luxo, e agora está acontecendo e vai acontecer cada vez mais com o feito à mão, quando tudo sai de uma indústria asiática, da produção em série.  Quando ele é feito à mão, quando ele traz uma marca, ele vai ter cada vez mais valor.

O Brasil é uma fonte inesgotável de criatividade e consequentemente de novos talentos.”

3 – Da descoberta do talento ou facilidade pra uma profissão, até o sucesso no mercado de trabalho é mais fácil hoje ou foi mais fácil para sua geração?

R: Eu acho que toda época vai ter sua dificuldade. Se em outro momento a dificuldade ao acesso era uma, hoje no mundo globalizado vai ser outra, pois tem a facilidade justamente por ser globalizado, por se ter acesso a informação muito mais do que você tinha no passado. Então, coloca-se as facilidades e as dificuldades, eu acho que sempre vai ser diferente, né? Vai mudar uma coisa ou outra, já que o que era difícil no passado é fácil hoje e o que era fácil no passado vai ser difícil hoje.

4 – Educação profissional para áreas intuitivas é quase inexistente. Isso faz muitos talentos serem deixados pra trás. Como poderíamos resolver uma questão como essa no Brasil?

R: O problema não é a educação profissional para áreas intuitivas, o problema é a educação, o problema do Brasil é esse, é a educação de qualidade em todas as áreas. Agora a intuição pra mim sempre vai ser a diferença no ensino técnico, no ensino de formação universitária, ela vai ser sempre valorizada. Às vezes a gente tem a sensação de que o Brasil não saiu do lugar, mas é porque o investimento e a educação é incipiente, o acesso a educação de qualidade ainda é uma pontinha lá no alto da pirâmide.

5 – No contexto de moda brasileira, você consta em qualquer ranking de melhores estilistas. O seu trabalho na moda instiga reflexões que fogem do contexto básico do consumo. Passeia pela arte, pela identificação pessoal, pela emoção, entre outros fatores. O seu propósito sempre foi esse, ou o tempo te fez enveredar para tais conceitos?

R: A minha formação é a formação de um profissional, a infância que ele teve, a adolescência e a juventude vai definir o profissional que ele é. Eu fui um adolescente na nova ditadura militar, onde eu lia só literatura política, então quando eu me distancio e olho a minha história, de onde eu saí, de uma família muito humilde que devorava os livros que conseguia, só podia dar no que deu né? – risos –, em um profissional que pensa a moda como vetor político. Aliás eu tenho cada vez mais claro que por acaso foi a moda, mas qualquer coisa que eu fizesse nos caminhos o olhar seria diferente.


Fotos: Zuleika de Souza/Divulgação
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