Seres masculinos modernos riscam passarela do DFB Festival

Quem disse que pra vestir homens é necessário apenas o básico? Nada como moda que quebra padrões e atinge o desejo como forma de apreciação

Moda masculina sempre foi um destaque na rica programação do DFB. Pelas passarelas cearenses do maior encontro de moda autoral da América Latina, já foram vistos muitos looks para homens de estilistas e marcas, inclusive internacionais. Pra destacar um, vale lembrar do desfile de carreira de Mario Queiroz, um dos nomes mais importantes da história da moda nacional. Uma apresentação especialmente marcante.

Nesse espaço democrático oferecido pelo DFB, os criadores ousam, lançam mão de muitas tendências e apostam em gêneros mistos, cortes e modelagens inteligentes, além do uso de muita tecnologia, entretanto, com muita manualidade e heranças nordestinas. Um cesto de sensações emocionais, visceralidade, realidade e desejo.

Vamos conferir alguns dos looks mais marcantes?

Almir França

No DFB Festival 2025, Almir França subiu a passarela com um manifesto em forma de tecido. Em parceria com a Enel, o estilista transformou o que antes era descarte em desejo, costurando futuro nas tramas de uniformes aposentados. A coleção “Energia 2025” não é só moda — é resistência, é reinvenção.

Cada look carrega a memória de quem vestiu, de quem trabalhou, de quem fez girar a cidade. Modelagens estruturadas, recortes precisos e uma estética que flerta com o urbano e o sustentável. No vai e vem dos flashes, também pulsava a força das mãos que costuraram essa história — mulheres formadas pelo programa Enel Compartilha, que bordaram esperança em cada ponto. No fim, Almir não desfilou roupas. Desfilou possibilidades ao som de um trilha sonora aplaudida pela força e pelo calor e ousadia.

Bruno Olly

“Linha de Vento” não é só uma coleção — é memória costurada, é saudade em tecido. Bruno Olly mergulha no baú dos anos 90 e puxa de lá o cheiro do asfalto quente, o som dos passinhos, dos beats do hip hop e dos sonhos que voavam como pássaros de papel em funk. Foi capaz de emocionar plateia e guardar no peito os aplausos e gritos que “queremos mais”.

Cada peça carrega um pedaço dessa travessia: da infância preta, das tardes de brincadeira, da autoafirmação nas esquinas e nas telas que ditavam moda. Tem cor de pôr do sol, tem corte que dança no corpo e tem ancestralidade pulsando em cada detalhe. No fim das contas, “Linha de Vento” é sobre vestir quem a gente foi pra seguir sendo quem a gente é.

Creations LIL

Foi na Sala 1 que Marcelo Mariani, cabeça e coração por trás da Creations LiL, lançou seu manifesto em forma de moda. O mineiro apresentou “The Office – O Corre”, uma coleção que rasgou a passarela com a mesma urgência de quem sabe que vestir é, antes de tudo, um ato político. Entre um look e outro, ficou clara a mensagem: transformar o passado não é nostalgia, é método.

Mariani partiu da estética corporativa – essa cartilha cinza, dura, engomada – para subvertê-la com uma boa dose de ironia. A alfaiataria tradicional foi desconstruída e reinterpretada em peças que carregam não só tecidos, mas também histórias.

Marcelo prova que upcycling não é um subproduto alternativo, é uma possibilidade industrial, desejável e até escalável.

David Lee

O badalado designer transformou a passarela em um quintal de memórias. Com a coleção “DIAGONAIS”, o estilista cearense costurou afetos e ancestralidade em peças que reverenciam o cotidiano nordestino. Panos de prato, passadeiras e tapeçarias ganharam nova vida em camisas, calças e casacos alongados, revelando uma alfaiataria amadurecida que dialoga com a tradição e a inovação.

As peças, repletas de crochês florais e fibras naturais, evocaram o litoral nordestino, enquanto vestidos rodados e trabalhos manuais em três dimensões encantaram o público. “DIAGONAIS” é um manifesto visual sobre encontros, influências e a beleza do simples, reafirmando que a moda pode ser um elo entre passado e presente.

George Azevedo

O potiguar fez da passarela uma máquina do tempo. Com a coleção “Grande Hotel”, o estilista puxou o fio da memória e bordou cenas de uma Natal dos anos 1940 — quando a cidade virou quintal dos americanos da Base de Parnamirim. É história vestida de ironia, de cor, de afeto e de provocação.

Alfaiataria afiada, pegada militar, estampas que contam casos e sussurram segredos de uma época em que gringos e potiguares cruzavam olhares e destinos. Tem pin-up, tem patch, tem sotaque carregado de passado — mas com cara de agora. George, que já escreveu moda com palavras, agora escreve com linha e tecido.

Jonhson Alves

Esse super estilista jogou sal grosso na passarela, acendeu incenso e vestiu fé. Sua coleção masculina é reza vestida, é abraço de benzedeira em forma de tecido. Modelagens amplas, que deixam o corpo respirar, feitas de algodão orgânico da Paraíba — aquele que nasce regado por mãos de agricultores e bênçãos ancestrais.

Nos tons da terra, da cura e da proteção, cada look carrega um rosário, uma erva, um amuleto. É roupa que não veste só o corpo, veste a alma. No fim, Jonhson não apresentou moda — apresentou mandinga, memória e um pacto bonito entre tradição e futuro.

Lindebergue

No DFB Festival 2025, Lindebergue Fernandes transformou a passarela em ponto de revolta. Com sua coleção, o estilista cearense costurou possibilidades de revolução.

Fez moda com manifesto. Seu olhar esmiúçou o trabalho como ponto de revelação do que a sociedade vive. Tocar em um assunto que mexe com as necessidades, promove a necessidade de maior atenção ao que os mais humildes passam no mercado de trabalho, enquanto CLT. O peso é carregado por quem passa o dia a se cansar sem ter o reconhecimento merecido. 

Modelagens amplas e tecidos firmes se contrapõem ao dialogarem com elementos simbólicos, como estampas, criando uma estética que flerta com a dignidade e a necessidade. Cada look desfilado foi um manifesto visual sobre identidade, trabalho e perecimento, reafirmando que a moda pode ser um elo entre o que se quer e o que se tem.

Oco Club

No último dia de lineup, a Oco Club apresentou sua moda contemporânea e repleta de nuances — e, como de costume, não trouxe só roupa: trouxe conceito, provocação e aquele sopro de desobediência estética que virou sua assinatura.

A marca, que gosta de brincar nas frestas entre arte, comportamento e moda, fez da passarela um espaço de experimentação sensorial. Foi menos sobre tendências e mais sobre presença — sobre estar, ocupar e tensionar. E se faltaram rótulos fáceis pra definir o que se viu, sobrou intenção: Oco segue sendo esse lugar onde a roupa não veste, questiona.

Vitor Cunha

O jovem estilista não levou só roupa pra passarela — levou maré, sal, e memórias costuradas em cada ponto. “Profundo”, sua coleção, mergulhou no oceano que mora dentro e fora de si, traduzindo em linho, algodão e fios a dança constante entre o que é terra e o que é água. E é nesse fluxo que entra a parceria com a Círculo: o crochê, essa técnica que atravessa gerações, virou ferramenta de poesia.

Ondas, redes, tramas — tudo feito à mão, tudo feito de tempo. Nas peças, o azul profundo conversa com os tons da areia, enquanto Vitor costura, sem medo, o artesanal ao tecnológico, como quem prova que inteligência autoral também se escreve no ponto baixo, no meio ponto, no ponto alto da ancestralidade.


* Fernando Lackman viajou ao Ceará à convite do DFB Festival.
Fotos: Passarela por Eduardo Maranhão e Backstage por Nicola Gondim
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