Walter Rodrigues e Galeria 12: “Eu acredito que roupa boa é aquela que já existe”

Galeria 12, em Caxias do Sul, é o novo espaço do estilista, que conta com acervo de peças homônimas e muitas aquisições assinadas por grandes nomes da moda mundial

Ele é um dos mais importantes nomes do setor têxtil nacional. Em sua trajetória há fatos que compõem a história da moda nacional, como ter sido o primeiro estilista a fazer uma collab com uma grande rede de lojas fastfashion, ter apresentado coleções inesquecíveis na São Paulo Fashion Week e ter conhecimento sobre tudo que faz referência ao mundo fashion.

Walter Rodrigues é um gentleman. Um exemplar de criador que não se fez na moda apenas por ser um mercado. Em tudo o que ele se propõe, tem muito sentimento. Carinho mesmo, sabe?! Isso lhe deu fãs, admiradores, alunos e aprendizes. Olhar pra história recente da moda brasileira e não o citar, é fazer papel de bobo.

Ele é estilista, consultor na área de design de produto e coordenador do Núcleo de Pesquisa e Design do Inspiramais. Dono de um conhecimento desconcertante para quem estuda, estimulante para quem busca conhecimento, e amigável demais para quem se profunda nos assuntos “modísticos” como ele.

Sua ação mais recente está ligada ao desapego. Após anos e anos construindo um riquíssimo acervo de peças de nomes da moda de várias partes do mundo e os armazenando com todo o rigor necessário, Walter decidiu abrir seus closets secretos de roupas-ícones e colocar à venda para fazer tudo isso circular. A Galeria 12 fica em Caxias do Sul e tece, a partir de então uma nova trama para a história da moda. Confira entrevista exclusiva que Walter concedeu para o Lackman:

Qual o sentimento de dividir com o público o seu acervo? A metáfora do “vão-se os anéis, ficam os dedos”, resume a sua atitude?

Eu acho que esse acervo, ele tinha uma função na vida, que era na realidade conservar tudo aquilo que me encantava no trabalho de outras pessoas, e que serviu de certa forma de aprendizado para melhorar meu produto, para a qualidade do meu produto. A intenção desse acervo sempre foi mantê-lo em um lugar privado onde ele pudesse ser visitado, onde ele pudesse ter consultas, mas no Brasil onde a moda não é valorizada, onde a gente não tem espaços e nem a médio ou longo prazo surge a possibilidade de existir um museu da moda, que poderia servir como um acervo básico até da história brasileira, porque muitas dessas roupas foram compradas aqui no Brasil, ou seja, a gente tem acesso a roupas importadas de qualidade, e nem para isso a gente tem um espaço para poder contar.

Depois de mais de 20 anos guardado, e eu pensando sempre que tecido é perecível, eu acho que chegou a hora de colocar em prática o desapego. Então eu selecionei realmente as peças que eu acho que são incríveis, junto com meu acervo de loja que eu tinha com peças que não são usadas, surgiu a ideia de abrir a Galeria 12, que é esse espaço de curadoria onde a mistura desses estilistas das décadas de 70, 80, 90 e 2000 podem se misturar, contar uma nova história e fazer parte do guarda-roupa das pessoas.

Desapegar dói? Deixa um vazio, e por isso demorou tantos anos para que seu “closet de colecionador” fosse aberto?

Colocando culpa no meu signo, como bom sagitariano, eu sou super apegado com as minhas coisas. Demorou um tempo sim para eu entender que era necessário, agora tudo também meio que o universo conspirou, porque eu achei o lugar muito interessante num espaço de uma galeria que eu gosto muito aqui em Caxias do Sul, então tudo isso de certa forma foi colaborando para que a ideia se edificasse e que daí, se construísse toda essa percepção de que o acervo poderia vir e ser vendido. É lógico que o acesso à venda também vai ser feito pelo Instagram e eu tenho a impressão, que pelo menos a parte dos estilistas mais contemporâneos, tipo de Thierry Mugler, ou Claude Montana, por exemplo, vai ser vendida para o exterior porque eu não consigo entender as pessoas comprando isso aqui, eu acredito que que essas peças irão para arquivos internacionais.

Você é extremamente organizado e o seu acervo deve ter sido meticulosamente catalogado. Quantas peças fazem parte desse montante de conhecimento adquirido em anos de pesquisa?

Como bom sagitariano a hora que se decide, se decide e o apego não existe mais, então eu estou bem livre desse peso (risos).

É bem difícil precisar um número na realidade. Por mais que eu seja organizado, por exemplo todo o meu acervo pessoal de Walter, dos desfiles de Walter eles estão organizados cronologicamente, mas eu não sei ainda quantas peças eu tenho eu também não sei quantas peças eu tenho do acervo de aquisições, que é como eu chamo esses acervos que eu fui comprando ao longo dos tempos. Eu sei que eu tenho muita coisa. Tenho quase, uns 90 Thierrys, umas 70 peças do Saint Laurent, e aí mais outras coisas, muitas outras coisas de outros designers, mas talvez o volume maior seja desses dois. É claro que eu estou sempre atento e sempre buscando repor também, porque já começou a vender então tem que pensar e repor para sempre ter um acervo bacana na Galeria. E junto disso realmente tem peças que não foram usadas que estavam guardadas desde o fechamento da loja, lá em 2012, que são extremamente atemporais e que estão aqui junto para serem vendidas também.

Quais nomes fazem parte do acervo Galeria 12?

Bom, de marcas têm um pouco de tudo. Tem Jiu Sander, Louis Féraud, Emanuel Ungaro, tem Jean Paul Gaultier, Cloé, Dior, Armani, Vivienne Westwood, Gianfranco Ferré, Hervé Legér, Kenzo, Paco Rabanne, Tom Ford, Jonh Galliano, Azzedine Alaïa, Balenciaga da época do Nicolas Ghesquière, tem coisas que eu trouxe do Japão que são os kimonos especiais, tem algumas peças que foram coletadas em brechó mas com aspecto de a artesania, então tem vestidos do México, do Paquistão.

Estamos falando de boa parte da história de uma moda internacional que já propunha ser disruptiva, e que hoje é referência nessa fatia do mercado. Era esse o motivo que te impulsionava a admirar tais criadores?

Eu acredito que roupa boa é aquela que já existe e se você hoje, tirando as grandes marcas dos designers internacionais de marcas de luxo, se você pegar qualquer roupa do mercado a qualidade é decadente. Então quando você compra uma roupa dos anos 80, uma roupa dos anos 70, dos 90, dos anos 2000, a qualidade é absurda. Então, por exemplo, isso eu tenho mostrado muito aqui na loja. Abrir um Thierry e mostrar um forro, ou como é feita uma calça do Armani, esse nível de qualidade realmente as peças antigas trazem. Eu acho hoje inteligentíssimo uma consumidora inteligente ela acaba que mistura o passado e o presente que sabe usar e sabe o que está usando.

Nas peças tem uma espécie de um tag que conta a história do designer e conta sempre porque eu tenho aquela peça, porque eu adquiri aquela peça. Eu acho que o nível de informação que eu queria, também era para, por exemplo, estimular marcas e confecções aqui do Rio Grande do Sul e que elas tivessem interesse de conhecer modelagens especiais e que pudessem através da Galeria 12 ter acesso a essas modelagens e ver perfeição de mangas, de acabamentos, de costura, de formato de modelagem. Isso parece ser mais devagar. As pessoas ainda não entenderam essa mensagem, mas é tudo muito novo então tem muito ainda para acontecer.

O período de existência da Galeria 12 está ligada à comercialização de todo o acervo que nela está exposto?

Eu acredito que a Galeria 12 será sempre um espaço de movimentação de coisas bonitas. Tem muita roupa, então ela tem uma durabilidade, mas ao meio disso tudo eu acho que ela é um negócio ela vai ter que ser retroalimentada, então com possibilidade de encontrar outras peças em viagens ou mesmo em sites especializados também e repor o estoque, então não é uma coisa que vai ter uma data para acabar.

O acervo é bem grande e fora isso tem hoje no mercado milhões de coisas que fazem parte desse meu olhar que podem ser garimpados e trazidos para cá também. Eu vejo a Galeria como um projeto perene que vai estar sempre misturando coisas. Eu penso em trazer novos designers para cá, que não são conhecidos. Por isso ela chama Galeria, para expor realmente e ser um espaço de troca de conhecimento e de apresentação de novos designers e de produtos que, de repente, não tenham aqui em Caxias.

A ação é sustentável e está dentro dos melhores vieses da moda atual. Esse também é o seu modo de assinar embaixo das premissas de uma moda menos destruidora do meio ambiente e mais sociavelmente amiga?

Para mim, sustentabilidade é um novo padrão de qualidade. Não tem volta, então se eu posso mesclar o antigo com o novo, sabendo da atemporalidade e da qualidade, essa é pra mim o sinônimo de sustentabilidade de fazer escolha certa. De comprar realmente aquilo que vai permanecer no meu guarda-roupa por muito tempo, e de certa forma eu também vou incluir coisas novas renovando a maneira de usar. Eu acho que também a gente não vai parar de comprar, a gente não vai parar de consumir. Só precisamos aprender a consumir melhor.


Fotos: Reprodução e cortesia Galeria 12
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1 comentário em “Walter Rodrigues e Galeria 12: “Eu acredito que roupa boa é aquela que já existe””

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